Ela. Caminhava vestida de rosa, cabelos negros enrolados e retidos por um lenço estampado de cores garridas, num doce balanço na direcção do bar.
Ela. Tinha a pele bronzeada cor caramelo, que o sol não resistia a acariciar.
Ela. Oferecia sorrisos, respostas laterais,
a todos os que o reclamavam: mulheres, invejosas das suas curvas generosas, grupos de homens, jovens reunidos como uvas num cacho, velhos de coração seco endurecido pelo sol.
Ela. Avançava perto do porto, ao entardecer, na rua que já viveu as suas horas de glória.
Eu, sonhador irónico, eterno saboreador da derrota dos meus sonhos, eu, infiel às minhas promessas interiores, eu, espectador fortuito do que pensava ser, tinha o hábito de passar os meus demasiado longos fins de tarde sentado na cadeira deixada invariavelmente vazia, entre a porta e a janela. Eu via-a portanto chegar. Ela chegou !... Como uma evidência. Aquela por quem eu riscava algumas linhas no meu caderno Moleskine perdendo-me no alcool dias e meses a fio, aquela, que eu esperava há tantos anos esquecendo a espera, era ela. Ela viria sentar-se ao meu lado e partiríamos juntos, é claro ! Meu caderno no bolso e com ele mil e um contos para as noites. Esta princesa da tardinha era a minha. Ela assentaria – me como uma luva, como as ondas sobre a água, como o vento sobre a folha, ela iria –me estás a ver, como um envelope, ela iria –me estás a ver, estás a ver... Como a pop music !
Pus-me a fazer mentalmente a lista de todas as minhas qualidades pois poderia vir a ser necessário vangloriar-me mais tarde no caso dela duvidar daquilo que está às vistas. Fazia a lista ali, como uma resposta exageradamente entusiasta a uma oferta de emprego e escrevi, sentado na cadeira entre a janela e a porta, rapidamente e em segredo, sem nunca desviar os olhos da bela que se dirigia para mim, a mais intensa carta de motivação.